domingo, 13 de setembro de 2009

Para alunos do estágio: "Curso de Letras e Educação Básica: que relação é essa?"*

Durante muito tempo, quando se ouvia falar dos cursos de Letras, esses eram associados a estudos eruditos e clássicos, voltados a uma formação literária canônica, com forte presença do ensino de línguas mortas (como o latim e o grego) e dentro de uma tradição bastante prescritiva da língua materna (leia-se ensino da gramática normativa - aquela que diz o que é certo e errado). Naquela época, como ouvi dizer de uma professora da PUC-SP, Letras era conhecido como curso de “espera marido”.O tempo passou e as diretrizes atuais desses cursos (articuladas com a preocupação com a formação de professores da Educação Básica) atentam-se para outros componentes curriculares, tais como a inserção de recursos tecnológicos no ensino, a presença de uma visão descritiva da língua (tal como ela existe na sociedade) e a prática pedagógica voltada para a língua em uso (em diferentes gêneros, desde a carta do leitor até análise dos chats).Pois bem, o curso de Letras radicalizou o seu foco, apostando em uma formação voltada para questões inerentes à prática social, e o faz em extrema consonância com as avaliações externas promovidas pelo Governo Federal que operam com a noção de que o aluno em idade escolar deverá desenvolver determinadas habilidades e competências ligadas ao seu letramento em língua materna.Essas avaliações externas (Prova Brasil, Pisa, Saeb, Enem e suas variações elaboradas pelos governos estaduais em diversas gestões) aparecem com o intuito de diagnosticar como anda a educação básica no Brasil (e compará-la com a de outros países).Porém, a questão parece meio esquizofrênica, porque não se “pode” falar mais em currículos unificados. Entretanto, existe para a Educação Básica uma matriz curricular baseada nos conceitos de habilidades e competências fortemente centrados na leitura (direcionando portanto a natureza das habilidades e competências exigidas).Aí é que entramos num impasse: a leitura (abraçada por uma variedade de teorias lingüísticas e literárias) como central no ensino da língua materna, encontra abrigo na formação atual dos cursos de Letras, que geram novos professores ano a ano, mas a Educação Básica ainda ensina Português, na sua grande maioria, com os pressupostos dos cursos de Letras mencionados no início deste texto.Assim, a escola consegue passar pela tangente da maioria das propostas governamentais atuais (fortemente academicistas) para o ensino de Português. Enquanto isso, os níveis de letramento continuam baixos para uma parcela grande da população, operando, portanto, como uma epidemia sem data prevista para encontrar a vacina...

Valesca Brasil Irala é Licenciada em Letras (Português-Espanhol), especialista em Língua Espanhola e mestre e doutora em Lingüística Aplicada. Foi professora da educação básica de espanhol e português e hoje é professora da Universidade Federal do Pampa (UNIPAMPA).

* Texto originalmente publicado em http://www.amigosdepelotas.com/2009/06/pensata-curso-de-letras-e-educacao.html

12 comentários:

  1. As diferenças entre teoria e prática mostram que aquilo que é ensinado na faculdade não é colocado em prática pelo professor em sala de aula. Isso significa que a escola e a sociedade não acompanharam a evolição das ideias acerca das novas práticas pedagógicas, e pelo visto, continuam a ignorá-las, fazendo com que o professor tenha que se "adaptar" justamente às práticas escolares com as quais aprendeu a não concordar. Diante dessa situação conflitante, surgem questionamentos: será que aprendemos o suficiente na escola para podermos lidar com esse tipo de situação? Será que estamos bem preparados? Será que temos condições de mudar esse contexto?

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  2. correção:

    * evolução
    ** ... será que aprendemos o suficiente na FACULDADE para podermos lidar com esse tipo de situação?

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  3. Diante do texto sobre a relação entre o curso de Letras e a Educação Básica observo que mesmo que o foco de preparo de professores no curso de Letras esteja inerente às práticas sociais, isso não é levado em conta pelas avaliações externas. Essas avaliações procuram globalizar e compararar o aproveitamento de alunos brasileiros com o nível de aproveitamento de alunos de países desenvolvidos ,sem levar em conta a história política e pedagógica do país, já que o sistema de educação é um reflexo de todo o fazer político.
    Se estamos ou não preparados para o ensino de língua materna, acho que só a situação real da sala de aula poderá nos dar uma resposta direta.Pois são as relações estabelecidas em sala de aula que nos dirão as verdadeiras necessidades no aprendizado da lingua materna e como já deu para perceber não é uma tarefa simples.

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  4. Muito se fala no curso de Letras sobre contexto, realidade, um não ao "erro", enfim são muitas as coisas que aprendemos e desenvolvemos durante os estudos. Alguns professores, que já estão atuando nas escolas, passarm por esta abordagem na academia, mas continuam reproduzindo - talvez por insegurança - a mesma didática já conhecida e contestada. Por quê?
    Pode ser o novo que assusta, a necessidade de uma "estabilidade gramatical", a falta de leitura e aprofundamento dos estudos universitários ou até mesmo a falta de continuidade do que foi visto na graduação.
    O que quero dizer é que há uma necessiadade gritante de incentivos para que os professores continuem seus estudos e aprofundem seus conhecimentos. Assim haverá possibilidade de um repensar sobre práticas educacionais onde as escolas possam ter sua pedagogia conforme o tempo que vivemos hoje.
    Débora do Couto Pereira - deboradocouto@yahoo.com.br

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  5. Deise Costa diz:

    Concordo plenamente com a Ricarda. É muito bom ver que as pessoas se esforçam para mudar a Educação,buscando novas técnicas, metodologias e desculpas para o não aprendizado do aluno -o professor cada vez melhor preparado pela Universidade sabe que o problema não é com ele, e sim com o aluno, então esforça-se para resolver essa questão- "se mais de 50% da turma vai mal o problema é sim o PROFESSOR".Mas vamos ver o ensinamento a que somos expostos na Universidade para tornar o professor apto para Educar. Eu, Deise, acredito que Educar é mais do que conhecer um conjunto de ideias e práticas que visem melhor ajudar os alunos no processo de aprendizagem, do que levar em conta a realidade de cada um e do que expo-los a vários gêneros, que levar em conta a variação linguistica de cada um, pois na sua comunidade eles falam assim e tantas outras teorias contra o preconceito linguistico tenho ouvido desde o 1º semestre... Acredito sim, que todo professor deve considerar o ambiente que o aluno está, mas ensinar o correto - existe o correto de se falar -embora sofra variações- e de se escrever, pois a ortografia é uma convenção social que possui REGRAS e se existem, sorte de quem as conhece, pois a gramática, como está nos PCNs de Língua Estrangeira e facilmente aplicado aos de Língua Materna, subir de classe social ocorre pelo dominio da língua.
    As vezes me pergunto, o que desejam os professores que não ensinam a gramática nem a ortografia nem o certo e o errado na linguagem oral e escrita?Desejam que os seus alunos não atinjam o melhor em suas vidas?Que não tenham aquilo que merecem por serem de classes econômicas mais baixas?Ou por serem de classes econômicas mais elevadas não vão precisar daquilo?? Possuem medo que os seus pupilos os passes? Que os discípulos ultrapassem seus mestres? Eu desejo intensamente isso!! Por que se assim ocorrer e sinal de que fui uma boa mestre.
    Dei aula em um escola da periferia de Dom Pedrito, onde os meus alunos iam para se alimentar e onde, uma vez ao falar para uma mãe que o seu filho não estava rendendo em aula ela me disse assim:
    - Mas pra que que o .... vai estuda? Ele não vai passa dum catador de lixo!
    Meu Deus !!! O que é isso? A familia não apoia nem acredita nos seus, o que a escola pode fazer? Dizer para ele que sim , ele tem valor e que sim, ele vai ser alguém e é com orgulho de quem sabe que fez a diferença na vida de alguém que lhes digo, hoje encontrei com esse aluno e pasmem, ele saiu de casa, foi morar com o tio em São Vicente - trabalha feito uma mula pra poder se manter lá, apesar do tio ajudar- e ano que vem entra pra escola Técnica de São Vicente...e sabe o melhor disso tudo? Ele me contou que lembrou de mim na hora de fazer a prova por que caiu uma questão de gramatica que de tanto em encher o saco e sublinhar o que ele escrevia de errado, ele não errou mais....
    E espero que ele me ultrapasse rapidinho....

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  6. Durante a leitura do texto aqui exposto sobre o empasse entre o curso de Letras e a Educação Básica, eu fazia associação todo o tempo com as práticas docentes que venho presenciando na escola na qual 'obsevo as aulas'. Sinceramente, confesso que me entristeço quando vejo como o ensino do 'português' vem sendo desenvolvido na(s) escola(s). O que seria desenvolver as habilidades linguísticas em suas mais complexas acepções é, a meu ver, um 'ensino' fincado na língua materna, portanto, consideravelmente interligado com as práticas sociais que os sujeitos alunos são expostos. Falar sobre os mais variados gêneros aos quais os mesmos são expostos dentro dessa 'esfera social' é considerar, possibilitar e oferecer instrumentos que conduzem os alunos à reflexão sobre os eventos linguísticos(materializados e oralizados)presenciados pelos mesmos. Ainda bem que os cursos de Letras deixaram de lado os estudos eruditos e clássicos, aos quais prvilegiavam o ensino das 'línguas mortas'. Contudo, acredito que não é o suficiente o estudo das variedades linguísticas, na ênfase aos estudos de leitura/escrita baseada no universo linguistico que é exposto o aluno dentro da esfera social que o rodeia, não, não é o suficiente. Tenho a impressão que muitos professores acreditam que priorizar os estudos das regras gramaticais na sala de aula é o melhor a ser feito para ensinar seus alunos a serem cidadões críticos. Como eu já mencionei anteriormente, olhar hoje para o 'acontecimento aula de português' me causa duas sensações: por um lado, a de perceber que o ensino do 'português' ainda está baseado numa concepção reprodutora/copiadora do que 'dizem' que é ou dever ser para ensinar o português, por outro lado, sinto-me alimentada de uma esperança (que muitos chaman de utopia) que me faz acreditar que é possível SIM, fazer diferente. Esse fazer diferente, sustentado pela minha experiência no ensino fundamental e médio. Esse fazer diferente, sustentado na minha criticidade de pergunta: Por que devo ensinar como dizem ser certo? Não acredito em dicotomia gramática e linguística. Porém, acredito que é perca de tempo um ensino de português em que os alunos saibam o que é advébio de modo e de tempo,etc. Sabemos que não existe texto sem gramática, por isso que não há sentido em dizer que não devemos trabalhar a gramática, mas como devemos trabalhadar. Sobre isso, acho que não há dúvida, mas me pergunto: porque será que ainda os níveis de letramentos continuam baixos? Será que é reflexo da forma que o 'Português' tem sido trabalhado nas escolas? O que faz um aluno dizer "ha, fessora, esse texto é muito grande, eu não quero ler"? O texto de 1 página e meia, estava num livro didático, em que os alunos teriam que ler e responder as questões que valeriam nota. Essa foi uma situação que presenciei em uma das minhas observações, o que me tem causado inquietações. Fico pensando, o que é "desisteressante" para os alunos? A forma que é trabalhado as leituras? Os assuntos abordados nos textos? Mas porque a leitura de textos só são realizadas quando os alunos precisam de nota?(aqui refiro-me a turma que eu observei). Por que será que mesmo com os 'diagnósticos' dos baixos níveis de letramentos de alunos por todo o país, ainda há um ensino de 'português arcaico'? Me pergunto: Será que o problema não está também nos Cursos de Letras? Por que se ouve tanto dos alunos de Letras que a teoria e a prática se configuram de maneiras distintas? Por que assusta aos novos profissionais uma 'nova prática pedagógica'? Será por descrença em assumir uma outra concepção de ensino de português??? Entre alguns porquês,gostaria de compartilhar opiniões com os colegas, afinal de contas, acredito que se estamos num curso de Letras e discutindo questões inerentes ao ensino de português, é sinal que acreditamos, mesmo que inconscientemente, em 'melhorias na educação'. Se essa melhoria vai ser parcialmente, as situações nos mostrará, mas se estamos refletindo sob/sobre essas práticas didáticas/metodológicas, acredito que isso é indício de PROGRESSO...

    Ester Dias de Barros

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  7. retificando: "...cidadãos críticos..."

    "...as situações nos mostrarão..."

    "...as leituras de textos só são realizadas..."

    Ester

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  8. Thiago disse:

    A relação teoria/prática é realmente bem complicada. porém, lembra de uma das discussões de uma das aulas do estágio, de como as escolas, ou mesmo as secretarias de educação nãoseguem o que regem os novos PCN´s, utilizando teorias antigas, e até mesmo defasadas que são consideradas de sucesso. Acaba que a culpa não é do professor, mas do sistema que não deixa que os professores utilizem práticas mais atuais.
    Em suma, é importante que o professor procure mudar no máximo que ele possa, procurando fazer uma aula mais agradável aos alunos e com conteúdos significantes.

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  9. Este texto me fez refletir sobre toda minha vida de estudante, desde o início até agora na universidade, e me fez ver que teoria e prática ainda não caminham juntas. O que a faculdade e os Pcns passam não é o que as escolas seguem, talvez por uma falta de estrutura total de mudanças e aceitação do novo, pois, o professor ao sair da faculdade chega cheio de gás nas escolas tentando dar o novo, fazer a diferença, mas, surgem resistências múltiplas e este professor vai se cansando e acaba por ensinar as coisas que aprendeu em seu tempo de escola da mesma forma tradicional.
    Penso que ensinar a língua materna como 90% dos professores ensinam é a forma mais chata que pode existir, pois, para que aprender regras que parecem não fazer sentido algum? E mesmo com resultados entediantes que surgem, as escolas não se movimentam para haver uma grande mudança, e as poucas que surgem são as de grandes lutadores individuais e incansáveis, até quando será assim...
    Ângela Binsfeld

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  10. Quando se discute sobre aula de portugues, inconscientmente falamos também no uso da gramática, em ensinar ou não gramática, mas acredito que não é isso que deveria ser discutido, mas como ensiná-la. Precisamos reconhecer que infelizamente o dominiio da norma culta padrão ainda é um instrumento de ascensão social,e como vivemos em uma sociedade preconceituosa acredito que devemos sim ensinar gramática, embora ainda haja muito reistencia em deixar de ensinar ou em seguir ensinando, porém as coisas não deveriam ir aos extremos dessa maneira, embora seja comum quando há mudanças que se va de um extremo ao outro, mas acho que as discussões sobre ensino da gramática e os entendimentos limitados que as pessoas possuem sobre isso já passou dos limites, é 8 ou 80,ou se ensina ou não se ensina,e me pergunto, até quando as pessoas seguirão nessa discussão? Enquanto isso o mundo não para e alguns alunos estão sendo ainda massacrados com o ensino da gramática, enquanto outros estão sendo prejudicados por não estarem tendo o ensino.

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  11. Agredito que a visão que nos é passada na faculdade não é a mesma realidade que encontramos na escola, pois os diretores querem que os professores ensinem a gramática e aqui na universidade estamos tendo pouca noção de como a ensinar, é muito soperfucial o nosso conhecimento sobre, apenas temos muita teoria, e como disse o Tiago é muito difícil associar teoria e prática. Então, quandoos professores chegam na sala de aula "massacram" os alunos ensinando da maneira mais tradicional. Concordo com o que a Aline disse a respeito de ensino de gramática, que deveriamos discutir mais sobre e não apenas se devemos usar ou não.

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  12. Cristiano Flores de Limas16 de dezembro de 2009 às 14:40

    Se pergunte a um professor se ele sabe que conteúdo o colega da sala de aula ao lado esta trabalhando e de que maneira esta lecionando, é bem provável que ele não saiba a resposta. E vai acrescentar ainda que “é antiético se meter no trabalho do colega”. Na verdade o que existe é um corporativismo tácito por parte dos professores que temem ser censurados ou que sejam deflagradas suas limitações profissionais. Aliado, ainda a crença utópica e erronia de que cada um deve construir o conhecimento da melhor forma que achar com seus alunos. Esta liberdade dada aos professores de criar seu próprio microcosmos escolar trava a educação no passado. Por insegurança ou por comodidade boa parte dos professores de língua portuguesa vão optar por modelos ortodoxos de praxe escolar como o ensino de metalinguagem, de gramática normativa, muito mais “palpáveis” do que as modernas e diversas concepções lingüísticas e de letramento, aonde se baseiam as mais recentes diretrizes dos PCNs.

    Se procurar por uma vacina, como a autora se refere, para mim ela reside justamente nas avaliações externas que diminuem o véu da ignorância possibilitando, além de diagnosticar e aferir o que acontece dentro da escola, implementar políticas públicas eficazes para desenvolver a educação. E, é claro, deve-se dar estímulos para que os professores se reciclarem e sigam em frente com seus estudos, se aperfeiçoando e se adaptando aos novos paradigmas da educação e do mundo.

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